“A Certain Lack of Coherence” é o titulo de um livro de Jimmie Durham composto por textos e crónicas dos anos 70 e 80s que apela à união de forças dos índios no combate de alguns mitos construídos pela cultura Ocidental sobre a noção de outro, exótico ou primitivo. Para Jimmie Durham a arte e as suas instituições são inseparáveis da realidade politica. Neste volume encontram-se publicados os textos “Artists must begin helping themselves” (os artistas devem começar a entreajudarem-se) e ”Interview with a 10,000 year old artist” (entrevista a um artista com 10000 anos) – textos que questionam o papel e o modelo de artista.
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“Uma certa falta de coerência” define-se como um espaço gerido por artistas para apresentação e discussão de projectos em torno da arte. Este projecto surge na linha de outros de carácter semelhante que têm existido no Porto e da sua continua necessidade.
“Uma Certa Falta de Coerência” ocupa o número 77 da Rua dos Caldeireiros. No mesmo espaço já existiu uma casa de pasto, uma loja de indianos e um coleccionador de esferográficas tentou montar um estabelecimento comercial. No fundo desta rua estreita da malha histórica do Porto, o sol mal entra e os elevados níveis de humidade são uma constante durante o ano. As condições para a preservação da Arte e de obras de arte são as mais adversas. Sabemos também que ambientes adversos à arte são estimulantes.
No número 213 da mesma rua, existiu entre 1999 e 2001 a Caldeira 213 –um projecto fundamental para a constituição de um circuito de espaços independentes no Porto. O objectivo deste projecto não é celebrar ou evocar a história recente da cidade, mas o regresso das actividades artísticas à rua dos Caldeireiros faz-nos pensar num sentido cíclico e na necessidade de lhe dar continuidade. Passaram quase dez anos.
Os espaços independentes tem períodos de vida curta e intermitentes, adaptando-se às possibilidades de quem os gere e dos lugares que ocupam. O recente enfraquecimento ou fim da actividade de alguns destes espaços trouxe um afastamento involuntário dos seus frequentadores. Somos levados a questionar a ideia de comunidade. Um perigoso descuido colectivo poderá deitar a perder todo o empenho na construção de uma comunidade com existência real e sentido. O continuo não pode ser substituído pelo esporádico.
Este projecto surge na urgência de dar continuidade à formalização de uma comunidade, e o seu principal objectivo é estimular o encontro e o confronto entre os interessados em torno de propostas artísticas e com vontade de questionar e experimentar-se.
A COMUNIDADE E O PÚBLICO
Por cá, o estatuto de artista, organizador, produtor, comissário, crítico e público vai rodando pelos vários membros de um pequeno grupo de pessoas. Pensa-se a ideia de micro-comunidade e questiona-se o fechamento sobre si mesmo destes grupos.
Às questões “Quem é o público destes espaços? E quantos são?” responde-se com a escala da cidade e com a fraca circulação nacional e de públicos. O projecto reflecte a teimosia em aceitar a estagnação geral que a cidade e o país sofre. Este projecto faz parte de um processo continuo, que ocupa espaço e tempo. Insistindo como quem treina e pratica, “Uma certa falta de coerência” propõe uma discussão da Arte e do Real no espaço físico e real.
As condições são adversas. Ninguém deve nada a ninguém. Faz-se por que se quer e para quem quer.
ESTE ESPAÇO É PARA TODOS
O projecto “Uma certa falta de coerência” quer testar outro modelo, que não sendo novo ou original tenta ser uma solução e um teste à ideia de comunidade artística.
O projecto “Uma certa falta de coerência” é de todos os que dele queiram fazer parte.
Pensamos a possibilidade de distribuir custos, trabalho e responsabilidades:
UCFC tem como objectivo propor diferentes olhares, diversidade de programação e a construção de uma rede de relações para além dos limites da amizade e da geografia.
- A responsabilidade de programação, ou comissariado, será entregue a um(a) convidado(a) (individual ou grupo) que deverá propor um conjunto de três exposições ou eventos de sua inteira vontade. Queremos a colaboração de quem estiver pronto a ajudar. A programação será uma responsabilidade distribuída.
- A renda de cento e setenta e cinco Euros e outros custos poderão ser distribuídos por quem estiver pronto a ajudar. São aceites donativos e será sorteado regularmente uma obra doada. Propomos uma venda de cinquenta senhas a cinco euros cada.
-O espaço e os projectos poderão ser visitados no dia de inauguração e durante os Sábados de tarde, das 15h30 às 19h30. Também podem ser feitas visitas por marcação. Num regime de pro-voluntariado a abertura e vigilância do espaço poderá ser distribuída rotativamente, em troca de uma senha.
-O espaço não tem actividade comercial.
UCFC é um espaço que não quer existir para sempre do mesmo modo que a coerência também não é para sempre.
André Sousa - Mauro Cerqueira